Reynaldo Gianecchini: "Meu transplante foi um renascimento"
O ator fala de seu tratamento, de como quase morreu num acidente cirúrgico – e também de espiritualidade, fofocas, trabalho, sexualidade e futuro

Nem sempre foi assim. Antes do câncer, a casa de Giane só tinha móveis pretos e brancos, nenhum objeto. A doença o internou no hospital e no apartamento paulistano. “Passei a fazer terapia e descobri que a casa é você. Comecei a encher as prateleiras de objetos de antiquário, transformar livros antigos em mesa, pintar parede de laranja e até pensei em fazer faculdade de arquitetura”, diz Giane. “Mudei tudo internamente com a doença. Tenho uma nova medula. E mudei minha casa. Agora tenho cantinhos que representam meu desejo de aventura, de pegar uma moto e sair pela América Latina.”
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De seu primeiro estágio em escritório de advocacia em São Paulo – quando, estudando Direito na PUC, conheceu a cidade “quase como um office boy, de metrozão e busão” – até hoje, Giane atravessou muitas estradas, algumas delas tortuosas. Ele não esquece que, na primeira novela na TV Globo, no ano 2000, assistia a seu desempenho “com o chicote nas costas”. “Eu era muito ruim, me sentia muito mal, não sabia nada, era estabanado, derrubava cenário do estúdio, meus colegas até se condoíam de mim, mas aprendi com a ajuda deles e dos diretores.”Apaixonado pela profissão, diz que quer retomar quanto antes o trabalho interrompido por causa da doença – ele interpretava, no teatro, o papel de vilão na peça Cruel, baseada num texto do sueco August Strindberg. Sentado no sofá do apartamento cada vez mais personalizado, Gianecchini falou sobre o câncer, a espiritualidade, as fofocas, a sexualidade, o trabalho e o futuro.
ÉPOCA – Você se sente curado?
Reynaldo Gianecchini – A operação de medula para mim foi um renascimento. Meu transplante é um pouco menos cabeludo do que os que se fazem com a medula de outra pessoa, quando pode rolar uma rejeição. Eu super me aceitei (risos). Meu transplante foi nada mais que uma quimioterapia muito pesada. Eu sabia que seria duro, mas não tinha noção. É uma quimioterapia que mata sua medula, aí você toma suas células de novo, as que foram salvas e são sadias. E essas células vão se reproduzindo para formar uma nova medula. Foi o único momento de meu tratamento em que eu pensei, caramba, será que aguento isso? É muito penoso. Seu corpo inteiro, por dentro, fica em carne viva. s
Não para nada dentro. Você come, vomita, tem diarreia. Comer ainda está uma briga, porque eu não tenho apetite.
ÉPOCA – Como ficou sua imunidade?
Gianecchini – Logo após o transplante, imunidade zero, por não ter mais medula. Você fica com febre, fica sujeito a tudo. Eu, graças a Deus, não tive nenhuma infecção. Fiquei o tempo todo no hospital, a gente fica bem isolado, não pode receber visita, nada. A boa notícia é que a operação é intensa, mas rápida. Em nove dias, minha nova medula já tinha “pegado”. Aí você é um bebê. A gente perde todos os anticorpos, tem de tomar todas as vacinas de novo.
ÉPOCA – O que você quer fazer agora?
Gianecchini – Nadar. E ir à praia no Rio.
ÉPOCA – Como será sua volta ao palco?
Gianecchini – A partir de 13 de março, vou começar bem devagar minha peça Cruel às segundas e terças. Faço o vilão, o cruel. Isso vai ser meio louco. Lidei com tanto amor, tanta gente vai me assistir, as pessoas tão carinhosas, querendo me rever no palco. E vou estar lá fazendo horrores (risos), supermalvado. Mas vou continuar muito cuidadinho. Tenho de me alimentar direitinho, e não quero trabalhar como um louco. Gravações de novela os médicos liberaram só a partir de junho.
ÉPOCA – Você continuará a fazer exames?
Gianecchini – Tenho de fazer exame de sangue sempre, porque ainda estou sujeito a pegar qualquer bactéria. São seis meses de acompanhamento mais profundo. Na verdade, são cinco anos de acompanhamento. Posso viajar, mas não posso ficar dando mole. Não posso ficar com gente gripada. Uma coisa meio chata é que, na minha peça em São Paulo, não vou poder receber as pessoas no camarim, ficar abraçando, beijando. Porque uma pessoa que pode nem saber que está gripada pode me custar muito caro.
ÉPOCA – Qual foi a primeira reação ao descobrir que estava mesmo com câncer?
Gianecchini – Meu médico me ligou e disse: “É. Vai para o hospital”. Minha mãe estava na cozinha aqui em casa fazendo comida. Pensei: como vou falar isso para minha mãe, se o marido dela, meu pai, está com câncer terminal? Era só isso que eu pensava. Sentia muito por minha mãe. Essa é uma notícia que não dá para rodear. Eu disse: “Mãe, eu tenho de ir para o hospital porque estou com câncer”. Não tinha outra maneira de falar. Ela desligou o fogão. A gente foi em silêncio absoluto para o hospital.
ÉPOCA – O que você sentiu?
Gianecchini – É como se um buraco se abrisse em sua vida, como se tudo começasse a passar em câmera lenta. O tratamento tinha um prazo de seis meses. Pensei: nesse tempo vou virar uma chavinha, nada mais vai me importar a não ser me curar.
ÉPOCA – Em que momento profissional chegou o diagnóstico?
Gianecchini – A doença me pegou num momento muito cheio de vida e de muitos planos de trabalho. Como disse, eu estava fazendo a peça Cruel. Quando me internei, dois dias depois ia começar a ensaiar um musical com Claudia Raia, Cabaret, que amo e está em cartaz lindamente. Ia voltar para a TV com uma novela. Foi uma rasteirinha.
ÉPOCA – Quais eram seus sintomas?
Gianecchini – Sentia umas dores, estava com o pescoço meio inchado, tinha acabado de operar uma hérnia, meu corpo estava meio esquisito, parecia uma gripe com dor de garganta, apareciam uns gânglios pequenos. Fui a um médico para verificar se era bactéria, virose. Fiz todos os exames possíveis, desde a coisa mais cabeluda até a mais simples. E deu tudo negativo. Até aí, beleza. Mas meu médico, infectologista, resolveu se certificar de tudo. O exame detectou que eu tinha gânglios no corpo inteiro. Daí para chegar ao câncer foi relativamente rápido, mas não se chegava a um diagnóstico. É preciso saber que tipo de câncer é, que subtipo. Câncer tem nome e sobrenome. Cada um tem um tratamento. Como eu me sentia bem, tinha dia que eu pensava: não é câncer. Eu tomava cortisona, sumiam os gânglios e a febre. Ficou um mês nisso. É. Não é. Fiquei um mês internado. Ficava num quarto, fazendo todos os exames, esperando os resultados, exames chegaram a ir para os Estados Unidos. Quando os laudos todos bateram, descobriu-se que era um tipo muito raro e agressivo de câncer.
ÉPOCA – De onde veio inicialmente sua certeza de cura?
Gianecchini – Eu aprendi, li sobre minha doença. Soube que era uma doença muito agressiva, mas que tinha um elemento positivo. Como ela é muito agressiva e sou muito jovem, podia entrar com um tratamento superagressivo e bater de frente. Com tumores menos agressivos, às vezes o tratamento pode durar a vida inteira. No meu caso, eu poderia receber uma quimioterapia muito forte, porque meu corpo conseguiria combater. A doença chegou com tudo, mas o remédio iria também com tudo. Um campo de batalha feroz, um tratamento muito intensivo, mas falei: “Vamos lá!”.
ÉPOCA – Você teve medo de morrer?
Gianecchini – O importante para mim era saber que valores eu precisava rever, qual o sentido de tudo isso. A primeira questão foi, sim, a morte. Caramba, pensei, a gente age como se não tivesse de lidar com isso. Estou lidando muito cedo, muito jovem, é claro que não quero morrer agora. Mas ela está aqui na minha frente. Comecei a fazer terapia para fuçar em mim tudo o que havia para fuçar, porque era o momento. A gente vive o dia a dia como se a morte não fosse uma certeza. A gente devia viver sempre com a certeza de que amanhã a gente pode morrer. Tanta coisa fica tão pequena, tão sem valor diante da possibilidade da morte. Decidi viver o presente, que é maravilhoso, sem passado e futuro. Comecei a viver de forma tão intensa que até nos momentos de introspecção eu ia muito fundo.
ÉPOCA – Você chegou a ficar na UTI porque a colocação de um cateter perfurou uma veia sua. Foi uma noite de sofrimento.
Gianecchini – Uma noite é delicadeza sua. Na verdade, foi uma intercorrência, um acidente cirúrgico bem grave. Era o primeiro passo, nem tinha feito quimioterapia ainda. E foi uma loucura. Eu poderia ter morrido ali facilmente. Uma cirurgia que deveria durar poucos minutos. Mas acordei sete horas depois, muito mal, com todas as minhas funções muito ruins. Fiquei 10 quilos mais pesado de tanto que inchei. Demorei dias para recuperar todas as minhas funções, minha pressão foi lá embaixo. Fiquei totalmente ferrado. O doutor Raul Cutait foi falar comigo, me explicou que foi uma fatalidade. Ele foi muito delicado. Vi que ele sentia muito. Acreditei nele. Eu não ia brigar, nem questionar. O cateter perfurou uma veia minha, e ela sangrou muito lá dentro, num procedimento muito simples que em 99% dos casos é bem-sucedido. Não vai mudar nada eu ficar buscando agora se foi erro ou não. Eu gosto do Raul. Mas ele não é meu médico. Ele é gastro e quis estar presente naquele momento.
ÉPOCA – Como surgiu a história de que você seria HIV positivo?
Gianecchini – Foi quando procurei o infectologista por causa da dor na garganta e dos gânglios. Logo se espalhou o boato: o cara tem HIV. Nunca desmenti nada. Porque eu ficaria eternamente nesse jogo. Mas agora acho melhor falar, até por respeito às pessoas que gostam de mim e nem comentam comigo. Eu não poderia jamais fazer o tratamento agressivo que fiz se tivesse aids. Primeiro chequei todos os vírus, todas as bactérias, para depois chegar ao câncer. Por isso posso dizer com toda a alegria do meu coração para quem se preocupa realmente comigo: “Eu não tenho aids”. Poderia mostrar um exame aqui, mas não é o caso. Já fui invadido com tantas mentiras absolutamente infundadas. Fui dado como morto. Alguém resolveu soltar essa notícia – e chegou às redações.
(FONTE:http://revistaepoca.globo.com
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